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o meu primeiro morto

fechando este dia de finados, lembro do primeiro morto que vi de perto. (postado originalmente em 2 de novembro de 2016)


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fui buscar a data de morte de leonel brizola pra fazer as contas de quantos anos eu tinha. dezesseis anos.

três anos antes, morria minha bisavó.

graças à tradição judaica pude manter como última lembrança “vovó mary” ainda viva. assim como também mantenho vivo na lembrança um dos últimos esporros que ela nos deu por ter comido no bob’s com minha avó, ribeka, antes de chegar pra jantar na casa dela.

“vocês preferrirram comer na bub’s que na casa de vovó!”



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meu pescoço quebrando, eu, minha avó ribeka e minha bisavó.

seu nome nunca foi mary. era miriam, miriam rissman. mas isso eu e meu irmão só fomos aprender depois.

três anos depois da morte de miriam faleceria, ao final de 2004, ribeka, sua filha, minha avó e a segunda morte na família próxima que sofri e não veria morta.

ribeka não nasceu ribeka.

ela se chamava rebeca até se casar com siegfried kusnitzki, o meu avô que não cheguei a conhecer. ribeka surgiu no momento em que ele disse rebeca em cartório.





voltando à noite de 21 ou 22 de junho de 2004, aquela provavelmente teria sido a minha primeira visita — e única até hoje — ao palácio guanabara onde estava sendo velado o brizola.

aos dezesseis, quase nada sabia sobre ele, apesar de não ser um completo alienado e estar envolvido com o movimento estudantil da época nas manifestações pelo passe livre. provavelmente sabia que havia construído cieps por conta do nome que ainda usavam como apelido para eles e que não queria ver ninguém morto.

já tinha muitos problemas em lidar com a morte desde uns oito anos de idade (reclama de crianças hiperativas quem não conhece as existencialistas) e ver o brizola morto não iria solucioná-los — muito pelo contrário.

por algum motivo, no entanto, meu pai disse que precisávamos ir vê-lo.

voto vencido que fui, fomos eu, meu irmão, minha mãe e ele.

pensei comigo mesmo por algum tempo na fila que não iria olhar o seu rosto. estava tudo resolvido. ao chegar a minha vez, próximo ao caixão, no entanto, não tinha como não olhar para outro ponto que não o seu rosto.

acho que consegui apagar boa parte do momento e não lembro, ao certo, se meu pai tocou e beijou sua testa ou se estou confundindo o morto.

o fato é que, depois de tê-lo visto morto, me senti obrigado a entender o que foi brizola.



obrigado.


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